Mais uma vez, a história se repete com os mesmos personagens, a mesma farda e o mesmo roteiro: um jovem negro morto por ação da Polícia Militar no meio de uma comunidade, durante uma celebração popular. A vítima da vez tem nome: Herus Guimarães Mendes, 24 anos. Foi alvejado por um tiro no abdômen durante uma operação policial do Bope, no alto do Morro do Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto ocorria uma festa junina repleta de crianças, famílias e moradores.
A cena é revoltante e dolorosamente familiar para quem vive nas favelas do Brasil. Herus não era um número. Era filho, amigo, cria da comunidade. Era um dos nossos. Sua morte não é um acaso — é um projeto.
A política da bala: para quem é o Estado?
A justificativa da PM é a mesma de sempre: denúncia de homens armados, confronto, resposta. Mas os vídeos e relatos dos moradores revelam algo mais perverso — tiros em meio à festa, gritos de desespero, famílias se jogando no chão, crianças chorando, feridos estendidos no chão sem socorro imediato. Cinco pessoas baleadas, incluindo menores de idade. Herus morreu no hospital. Ninguém do Estado foi responsabilizado — ainda.
Essa não é uma exceção. É a regra de um modelo de segurança pública militarizado, racista e classista, que trata favelas como territórios inimigos. Onde o negro é suspeito, o jovem é alvo e a bala é “perdida” só no discurso — porque ela sempre acha o mesmo corpo: o nosso.
Segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 80% das vítimas da polícia no Brasil são negras. E nos últimos 5 anos, em mais de 70% das ocorrências com morte por intervenção policial no Rio, não houve responsabilização de nenhum agente. O Estado que deveria proteger, mata. O Judiciário que deveria julgar, silencia. A mídia que deveria denunciar, criminaliza.
Festa Junina, caveirão e arraial de luto
O que aconteceu no Santo Amaro não foi uma tragédia. Foi um massacre anunciado, interrompendo uma festa comunitária com tiros de fuzil. O mesmo Estado que nega cultura e educação para a favela, também invade os poucos espaços de alegria e pertencimento com violência e medo.
A festa junina no morro era mais do que um evento: era resistência, identidade, ocupação cultural. A polícia não chegou para proteger. Chegou para apagar, com o mesmo braço armado que interrompe rodas de samba, fecha terreiros, manda calar o tambor e impõe toque de recolher em nome da “ordem”.
O racismo por trás do gatilho
O racismo estrutural no Brasil não opera só no ódio. Ele opera no descaso. Quantas capas de jornais estamparão o nome de Herus? Quantas notas oficiais reconhecerão o erro? Quantas famílias precisarão enterrar filhos sem respostas?
A lógica do extermínio está viva e atualizada. O CEP pode ser Zona Sul, mas a bala segue sendo a mesma. O lugar muda, mas o sangue derramado continua preto. O nome muda, mas a dor é coletiva. E, no fundo, todo preto conhece a sensação de ser alvo — até mesmo numa festa, até mesmo sorrindo.
Herus não era criminoso. Era morador. E ser morador de favela não é, nem nunca será, justificativa para ser assassinado pelo Estado.
O Estado brasileiro se especializou em administrar a desigualdade com violência. Enquanto as políticas públicas se ausentam das periferias, o braço armado do governo se faz presente em tanques, helicópteros e fuzis. O mesmo poder que não garante saneamento, creche ou acesso digno à saúde, é o que orquestra operações letais em comunidades inteiras sob a falsa premissa de “combate ao crime”. O projeto é claro: vigiar, punir e eliminar corpos indesejáveis — principalmente se forem pretos, pobres e periféricos.
Lamentável esses acontecimentos. – Eu não consigo enxergar uma solução, entra ano e sai ano, o fato é parecido, só muda de cep conforte menciona Lauffer, a dor é a mesma, só muda de coração. Triste!