Na beira do manguezal do Rio Areias (SC), a juventude preta se organiza para fortalecer a comunicação comunitária com ancestralidade, tecnologia e resistência.
A história da Rádio Web Araquadrillha não começa com um estúdio moderno, microfones caros ou estrutura técnica de última geração. Ela começa no improviso, no quintal, com madeira reciclada e o desejo genuíno de se comunicar com a quebrada. No território remanescente quilombola Areias Pequenas, entre o manguezal e a resistência, a juventude preta da banca Araquadrillha planta sementes de cultura, comunicação e pertencimento.
O embrião da rádio surgiu nos fundos da casa do primo Nico, onde a gurizada se reunia para produzir, gravar e rimar suas vivências. Um espaço precário, mas vibrante, onde os beats e as palavras tem a força de quem entende que comunicar-se é também lutar para existir.
Foi durante um mapeamento dos Agentes Territoriais de Cultura que o projeto ganhou novos contornos. Ao visitar a banca para cadastrá-la no Mapa da Cultura, o produtor cultural João França percebeu o potencial criativo e simbólico que aquele espaço carregava. “Quando cheguei lá e vi aquele estúdio, conheci a história da comunidade e a gurizada engajada na parada, me acendeu uma luz”, relata.
O momento era oportuno: o município havia recém aderido à Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), abrindo possibilidades de fomentar ações culturais estruturantes com recurso público. Da aproximação com os jovens da Araquadrillha, João também estreitou laços com os mais velhos da comunidade, entendendo a profundidade histórica e ancestral daquele território.
Nesse processo, novas conexões foram reveladas. Em conversa com o mais velho Tatetu de Nkise Kelawe, do Nzo Nkise Nzazi — casa de candomblé angola situada no Itinga — descobriram vínculos familiares que atravessavam gerações e ligavam as trajetórias da juventude atual a ancestrais libertos que se diziam “das Areias”. A descoberta de Tia Ziza, parente de ambos os lados, selou o reencontro da memória com o presente.
Foi assim que duas potências se uniram: o terreiro e a quebrada. O NZO e a banca Araquadrillha somaram força, saber e coragem para transformar o antigo estúdio improvisado em um polo de comunicação comunitária. A Rádio Web Araquadrillha nasce desse encontro. Uma iniciativa preta, periférica e ancestral que compreende a comunicação como território de disputa, ferramenta de identidade e instrumento de cuidado.
Mais do que uma rádio, o projeto é um movimento de afirmação coletiva. Um microfone aberto para o quilombo falar por si. Uma antena que transmite não só músicas, mas também histórias, saberes tradicionais, denúncias e celebrações. Em tempos de desinformação, apagamento e violência simbólica, iniciativas como essa reafirmam o direito de narrar a própria história.
Nas palavras de João França:
“Pra mim é muito gratificante construir ponte entre as duas comunidades. Eu, enquanto cidadão e artista, dentro da minha quebrada, mover essa história — que ninguém conta — e vê-la sendo contada de forma tão única, me dá gás pra continuar esse trampo. Isso é exercício de cidadania cultural: juntar esse quebra-cabeça da história de quem constrói Araquari e tornar isso público e conhecido.”
Se depender da banca Araquadrillha e de toda a ancestralidade das Areias Pequenas, a comunicação comunitária continuará pulsando forte – como o tambor que anuncia a chegada de um novo tempo. E aqui, é espaço pra isso, compARTilhar o RAP no movimento, e o RAP em movimento.
muito foda!!!!