Entre o Estigma e a Resistência: Por que ainda querem criminalizar a Cultura Periférica?
O RAP brasileiro nasceu de uma urgência. De um grito. De uma dor. E, acima de tudo, de uma resposta. Uma resposta à violência estatal, ao racismo estrutural, à exclusão histórica da população preta e periférica. Desde os seus primeiros beats nos bailes das quebradas até os grandes palcos de festivais, essa cultura foi — e continua sendo — resistência.
Em 2025, no entanto, ainda somos obrigados a assistir à repetição de um roteiro antigo com novos figurinos: o da criminalização simbólica e concreta das expressões artísticas da periferia. O alvo da vez é Oruam — artista que, como tantos outros antes dele, virou o centro de um “debate público” enviesado, travestido de preocupação moral, mas alimentado pelo preconceito e pelo incômodo com o sucesso periférico.
A nova embalagem do velho racismo
Não se engane: quando setores da sociedade falam em “lei anti-Oruam”, o que está em jogo não é segurança pública. É controle. Controle sobre os corpos pretos, sobre as narrativas das favelas, sobre a ascensão de uma juventude que não cabe mais nos estereótipos impostos.
A arte periférica, quando atinge grandes públicos, passa a ser vista como ameaça. Porque ela não pede licença. Ela denuncia, provoca, rasga o véu da hipocrisia social. O incômodo com Oruam não está em sua música, mas no que ela simboliza: uma juventude preta que venceu sem favores, sem bajular elites, sem suavizar sua linguagem.
O RAP incomoda porque escancara
A pergunta precisa ser feita: por que o Brasil se sente tão ameaçado por um jovem preto empunhando um microfone? A resposta está no espelho que o RAP oferece à sociedade. E, se o reflexo incomoda, o problema não está no espelho — está na realidade que ele revela.
É mais fácil acusar o artista do que discutir o abandono das favelas, a ausência de políticas públicas, o genocídio cotidiano da juventude negra. Mais fácil criar uma “lei” do que enfrentar o fato de que o crime organizado cresce onde o Estado nunca chegou com dignidade.
A cultura periférica não é o problema — é a resposta
O que está em disputa é o direito de existir sem pedir desculpas. O direito de rimar sem censura. De viver da arte sem ser acusado de apologia. O RAP não é apologia ao crime. O RAP é denúncia do crime institucionalizado: da fome, do racismo, da violência policial, da marginalização histórica.
Oruam é só mais um capítulo de uma história maior: a tentativa recorrente de silenciar aquilo que incomoda por ser verdadeiro. Mas a periferia já entendeu que não deve mais se calar. Se tentarem nos calar, rimamos mais alto. Se tentarem nos apagar, ocupamos mais espaço.
A cultura periférica não precisa de tutela. Precisa de respeito. E, acima de tudo, de liberdade. Porque ela não só existe — ela resiste.