Na intimidade: O Portal Rap no Movimento entrevista o Rapper “Príncipe do Gueto” Crônica Mendes

Niasa: Meu mano Crônica Mendes, tá ligado aquele cara que a cada encontro é aprendizado? Pois é, assim eu sinto em nossas conversas. Bem vindo ao Portal Rap no Movimento, você faz parte disso aqui.
Crônica Mendes:  Salve Niasa, salve meus queridos leitores. Fico muito honrado pelo convite de estar aqui trocando uma ideia, dando vazão a nossa visão de mundo, e porque não também abrindo um pouco mais da sala de casa, para comungar as palavras, algumas repetidas outras nem tanto (risos). Obrigado pelo respeito, e vamos lá…

Niasa: Crônica, vou iniciar de voadora. Sabemos que bons rappers tem no Brasil todo, mas a grande concentração está em São Paulo e Brasília, o Crônica nasceu onde? Onde se criou?
Crônica Mendes: Meu mano, ainda que dizem que no Brasil não tem vulcão, nós somos um caldeirão cultural imenso, periférico, artístico, diferenciado, e em ebulição constante. E o que me deixa feliz é saber que o Hip Hop está vivo dentro dessas ebulições. Acho que o eixo vem sendo ramificado, São Paulo (capital e interior), Brasília, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Paraná, Pernambuco, afinal não dá pra fazer rap nacional, sendo bairrista ao extremo. E é interessante você citar um eixo SP/DF, onde muitos só veem SP/RJ. Eu sou nascido na Bahia, mas não tive o encanto de viver lá, pois me criei totalmente no interior Paulista, na cidade de Hortolândia, onde reside uma imensa parte da minha família até hoje. Mas a música, a cultura me leva por esse Brasil a fora, e eu vou abraçando e sendo abraçado por Brasília, Minas, Paraná, Santa Catarina, e atualmente morando no fundo da zona sul de São Paulo, tenho um carinho imenso por Taboão da Serra, Itapecerica da Serra, Embu das Artes… onde a minha música me leva, e busco criar raízes.

Niasa: Mano, a maioria dos rappers vem da favela, de comunidades, periferias pobres. Com você foi diferente?
Crônica Mendes: Eu não morei em favela, sempre morei no Jd. São Jorge, Hortolândia, uma casinha de alvenaria, simples, contando com a minha casa, no São Jorge tinha 5 casa somente, minha sorte é que cara cara tinha muita criança, então eu sempre tive amigos para brincar, o que me distraia e me “protegia” daquela realidade simples. Minha família é da roça da Bahia, sertão, morar em Hortolândia foi uma grande conquista da minha mãe. Nunca fomos pobres, pois sempre tínhamos uns aos outros, e nesse olhar, um ajudava o outros, eu digo as famílias, não tinha pobreza, mas tinha descaso do Estado, e na medida que o bairro foi crescendo, a problemática se  fez presente, veio as drogas pras ruas, o álcool em abundância, a violência em todos os sentidos e duplos sentidos. A gente aprende a lutar e lidar com situações desde cedo, tipo carma.

Niasa: Você mano, teve a família presente, os pais, irmãos mais velhos. Como foi essa ligação de berço?
Crônica Mendes: Nunca tive pai, e minha mãe nunca foi um pai pra mim. Ela sempre foi mãe, isso basta, sempre bastou  pra mim. Ela nunca deixou faltar nada. Nunca tive uma  figura masculina para me espelhar, nem meus irmãos, eu não queria ser igual a nenhum deles. Não por mal, mas eles eram eles, eu queria ser eu, ser um ser com meu jeito de ver o mundo. Por isso fui para arte, pra música, pra cultura, virei artista sem saber, mas foi onde eu encontrei minhas referências de fora de casa.

Niasa: Já vi pessoas julgar quem não estudou ou se formou. Claro existe os mais malandros, teve a chance e não concluiu. Eu por exemplo poderia ter dedicado mais aos estudos, me fez falta. Mas ter de trabalhar logo cedo pra ajudar os pais me tirou essa vantagem, claro, opção minha. Como foi pra você? Estudou, se formou?
Crônica Mendes: Eu estudei, sempre gostei de estudar, tudo que ampliava meu conhecimento e fazia ampliar meu mundo, eu me envolvia ao máximo. Foi assim com a escola. Foi na escola que meu rap se fez forte, e me conectou com os livros. Não me formei, porque não tinha dinheiro, e na época não tinha programa do governo de apoio, tipo bolsa faculdade, cota… Fiz cursos de Adm, mas não conclui porque vacilei no processo. Fiz um teologia por um período, mas também não concluir porque minha cabeça é minha fé estavam em conflitos, e eu na época não consegui equilibrar. A escola, o estudo é fundamental na construção do ser humano de agora e do futuro. É muito triste o quadro de analfabetismo no Brasil, a falta de oportunidades e acesso a um método que diminua essa faixa etária. O analfabetismo destrói sonhos, anula vidas, nesse ponto ainda temos muito o que melhorar.

Niasa: “Diga-me onde sentava na sala de aula e eu te direi quem tu és” Frente ou fundão? rsrs.
Crônica Mendes: Cada período uma fase diferente, tem aquela fase que você quer mesmo é ser rebelde, controverso, do contra, então você vai pro fundão e causa. Mas tem fases que você quer levar mais a sério, toma aquilo como um caminho pra transformar sua vida, levar orgulho pra mãe, aí você fica ali mais perto da linha de frente, e para mim parou aí (risos) eu nunca cruzei a linha da primeira fila na saída de aula, e outra, mesmo na época do fundão eu buscava me garantir para não dar mau em casa. (risos)

Niasa: Boa, mas como foi o Crônica no geral na infância, adolescência? Foi esse cara centrado que vemos, ou foi rebelde, metia o loco?
Crônica Mendes: Eu tive a minha fase de rebelde sem causa. Tudo estava errado ao meu ver, não aceitava nada, mas não sabia o que fazer para mudar ou ao menos tentar mudar alguma coisa. Até que um dia eu percebi que a primeira mudança tinha que acontecer em mim, uma revolução interna de mesmo. A partir daí comecei a escrever, questionar melhor, e entender melhor as coisas também, e descobri que eu não estava sozinho nessa.

Niasa: Mano você teve outras profissões anteriormente?
Crônica Mendes: Já fiz muita coisa nessa mina de trampo. Já vendi sorvete, entreguei panfleto, fui servente de pedreiro, ajudante de mecânico, garçom, trabalhei durante uns bons anos numa empresa de reciclagem chamada CAPRI, em Hortolândia, foi um dos períodos mais incríveis da minha vida, o CAPRI me reciclou, me deu bagagem cultural, fomentou minha base apresentando-me o Sarau, me dando oportunidade de apresentar minhas músicas dentro deste universo poético, das literatura. Também trabalhei por muitos anos na DANONE, por QI da minha mãe, lá me formei na CIPA, e fiz um curso de brigadista… Depois o GOG me levou para dentro do grupo dele, e me levou para colocar em prática nos palcos da vida, a minha pequena experiência vivida até ali. Foi tudo isso, um pedacinho de cada lugar por onde passei, e que carrego comigo, cada pedacinho desse, me trouxe aqui.

Niasa: Hoje você vive do Rap?
Crônica Mendes: Hoje eu vivo de tudo aquilo que minha arte me proporciona. Quando se fala “viver do rap” soa algo meio que limitado, viver só fazendo rap. Não pode ser, é preciso ir além, e levar o rap além. Não dá pra se jogar dentro de caixas e bolhas. Tem muita gente querendo viver só do rap, pra ser nichado, haipado… Eu acho isso pouco, viver só do rap. Qualquer que é do seu rap? Se você  faz um rap na mesmice, ou faz o rap na intenção de ganhar dinheiro, você será raso,  será pouco. O rap não é feito pra se viver do rap. O rap é feito trazer vida. Tem uma imensidão de diferença nessa fita, por isso que canto “Bom dia meu mundo, eu sou isso aqui, meu rap é tudo , é vida pra mim.”  Eu não faço rap pra viver do rap, eu faço rap pra viver.

Niasa: Legal, aproveita e fala um pouco da Galuz.
Crônica Mendes: A Galuz é um sonho que cuida e valoriza os meus sonhos, e como eu não sonhos sozinho, e o Raul Seixas disse que sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade, encontrei outros sonhadores e sonhadoras, que sonham comigo e juntos nos cuidamos para transformar estes sonhos em realidade, com respeito, protagonismo, e profissionalismo.

Niasa: Na intimidade meu mano. O Crônica namora ou é casado, tem filhos?
Crônica Mendes: Já fui de falar mais da minha família, com o passar dos anos, a gente vai envelhecendo, os filhos vão crescendo, e a gente tenta preservá-los da forma que podemos fazer, e hoje eu preservo mais o direito de deixar minha família mais reservada e não abordar eles tão abertamente como antes.

Niasa: Você incentiva seus filhos(as) para o rap?
Crônica Mendes: Não, eles curtem uns e outros, o universo das batalhas de rimas atrai eles bastante, às vezes estão nos shows comigo. Mas eles já têm opiniões próprias, e eu não sou de impor diretamente nem indiretamente nada. Eles são curiosos cada qual à sua maneira, eu faço minha parte, mostro às músicas que estou ouvindo, as que estou fazendo, estudando, as novidades, e eles fazem o mesmo comigo.

Niasa: Você se lembra do primeiro contato com a música? Foi o rap de cara?
Crônica Mendes: Minha paixão pela música vem da música brega, Amado Batista, Odair José, Fernando Mendes, da música sertaneja, Milionário e José Rico, Leandro e Leonardo, o pop do final dos anos 80 e início dos anos 90… O rap me veio como resgate, fuga, válvula de escape, só através do rap eu me entendi como alguém, como uma pessoa que tinha muito o que falar.

Niasa: Quem te inspirou a entrar para o Rap?
Crônica Mendes: Quando o rap convocou a periferia pra ser protagonista da sua história, eu estava lá. Eu fui impactado pelo rap, eu não escolhi, fui escolhido.

Niasa: Sua primeira letra? Gravou ela, ou teve aquela lapidação que mudou toda?
Crônica Mendes: Minha primeira letra era uma poesia de minha autoria, que musicalizei. Tínhamos um show pra fazer, e precisávamos de umas três letras pra se apresentar. Eu escrevi as três em algumas poucas horas. Uma letra falava sobre o TuPac, tipo uma resenha sobre alguns fatos da vida dele, a outra narrava a história de uma família amargurada (esse era o nome da letra), a qual eu falava sobre algumas famílias do meu bairro, e a terceira era sobre fazer rap e ser criticado pelas pessoas, e pelo sistema.

Niasa: A primeira apresentação para o publico, como foi?
Crônica Mendes: Foi linda, foi no Jd. Amanda, uma quebrada imensa de Hortolândia. Numa bar na avenida principal, lembro que era microfone com fio, e eu não conseguia me movimentar, fiquei super tímido, mas não errei a letra, e fomos bem aplaudidos.

Niasa: Crônica, voltando um pouco na intimidade. Você é religioso?
Crônica Mendes: Não, religioso é quem segue religião, eu não sigo nenhuma.

Niasa: O que curte fazer nas horas vagas? Tem um robby?
Crônica Mendes: Gosto sempre de estar envolvido por música, gosto de cuidar das minhas plantas, e de escrever, e é claro, curtir o universo dos meus filhos, e apresentar umas coisa bacanas pra eles.

Niasa: A maioria dos rappers que mantenho contato leem bastante. Você chega a ler quantos livros no mês? Tem tempo ainda para a leitura?
Crônica Mendes: Leitura é fundamental para o desenvolvimento da nossa mentalidade. Eu gosto de ler, mas não sou desses leitores compulsivos que ficam contando quantos livros leram durante o ano e tal, tenho livros que li mais de uma vez. Não conto livros, conto o que aprendo com eles.

Niasa: Mano, sabemos que em qualquer segmento existe muita concorrência, você vê o Rap dessa forma? Ou existe uma união entre esses artistas?
Crônica Mendes: Tem artista que busca concorrer com outros artistas para “alimentar a cena”, eu não faço parte dessa cena, eu alimento meu trabalho, com musicalidade, conteúdo, vivência, soma de experiência. Meu trabalho não é pra vitrine, nem pra nicho, minha música está disponível pra quem estiver disponível a respirar fora da bolha. Não me procurem dentro da caixa, dentro do rótulo, eu não estarei lá.

Niasa: As músicas das antigas eram enormes, 7, 8, 9 minutos ou até mais. Hoje menores, é a tentativa de deixar comercial, entrar para o rádio? Ou é natural o tema que pede algo mais parecido com outros estilos?
Crônica Mendes: Falo por mim, minha letras são menores, porém mais profundas. 7, 8, 9, minutos raso não valem nada. O impacto que uma música causa na vida de uma pessoa, é impressionante, não importa o tempo no display, o que vale é o conteúdo.

Niasa: O disco “Mais de uma tribo” vejo o carinho que você tem com esse trampo, conta pra gente como foi a idealização desse álbum.
Crônica Mendes: Sigo dando continuidade a minha existência, compartilhando conhecimento, e buscando mais a compartilhar. O álbum Mais de Uma Tribo, busca pessoas que não se encaixam no mais do mesmo. Usamos da nossa bagagem pelos palcos, na turnê do “Eleve-se”, meu álbum anterior, onde fomos abraçados por um público não estereotipado, não era só o “público do rap”, são pessoas que gostam da sonoridade e energia do nosso show. É dai que vem também um pouco do nome do disco.

Niasa: Não sei se você vai querer falar de preferência. Faz uma forcinha mano, qual a música que você mais curtiu escrever?
Crônica Mendes: Avisa lá, essa música é um divisor de águas profundas em minha vida por completa.

Niasa: E aquele som que você faz questão de não deixar faltar nos shows?
Crônica Mendes: As pessoas não me deixam esquecer de Brinquedo Assassino, Faça por Amor, Castelo, Avisa lá, Sopra Lobo Mau… Mas eu gosto muito de tocar “Levitar”

Niasa: Tô ligado que você não para, o que você já está aprontando ou já pensando para esse ano ainda?
Crônica Mendes: Lancei meu 4º álbum, intitulado “Mais de Uma Tribo”, está sendo incrível o resultado deste trabalho. Tive a oportunidade de fazer vários vídeos clipes deste disco, creio que foi o disco que mais teve clipes. No final de maio vamos lançar a versão “deluxe” deste álbum, e iniciar a turnê com o novo show. Ainda tem muito o que apresentar deste universo do “Mais de Uma Tribo”, estou mergulhado nele de corpo e alma. Esse é o meu melhor momento.

Niasa: Maravilha irmão. Quero aproveitar e agradecer em nome do Rap no Movimento e também da Two:Am Streetwear, obrigado pela confiança e parceria. É apenas um inicio, estamos nos ajeitando mas será uma parada legal, tanto pra marca quanto para os parceiros.
Crônica Mendes: Grato pelo espaço, e parabéns pelo trabalho que você vem alavancando. É preciso profissionalismo cada vez mais na forma de divulgar o conteúdo produzido pelo nosso Hip Hop. O Rap no Movimento, é uma linha a ser seguida e potencializada. Contem comigo.

Niasa: Quais os canais de contatos para seguir, falar ou contratar o Crônica?
Crônica Mendes: Estou com meu site oficial novinho, e cheio de informações sobre mim e meu trabalho, cronicamendes.com.br lá o público encontrará todos os links direto para as minhas redes sociais e plataformas musicais. Sempre @cronicamendes

Niasa: Crônica, essa que não pode faltar, um bate bola rapidão.

Niasa: Um grupo?
Crônica Mendes: Racionais MCs

Niasa: Um Rapper?
Crônica Mendes: Eu

Niasa: Uma música?
Crônica Mendes: Tô ouvindo alguém me chamar

Niasa: Uma música sua?
Crônica Mendes: Avisa Lá

Niasa: Aí galera, esse foi Crônica Mendes, o “Príncipe do Gueto”. Fiquem a vontade para comentar abaixo, fazer perguntas.

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