Vivemos a era das inteligências artificiais. Elas escrevem textos, criam imagens, compõem músicas, simulam vozes, respondem perguntas e, cada vez mais, tomam decisões que antes eram exclusivas dos humanos. É fácil se encantar — ou se assustar — com a velocidade e a precisão dessas máquinas. Mas, em meio a esse avanço desenfreado, surge uma pergunta fundamental: o que nos torna, de fato, humanos?
A resposta pode estar mais próxima — e mais simples — do que imaginamos. Talvez esteja naquele gesto quase esquecido de pegar papel e caneta. De escrever com a própria mão. De riscar, errar, recomeçar. De fazer da letra um espelho da alma.
Porque, diferente das máquinas, que processam dados, nós escrevemos histórias. Quando alguém rabisca uma ideia em um caderno velho ou escreve uma carta à mão, imprime ali sua subjetividade, sua vivência, seu tempo. Cada traço carrega emoção, hesitação, firmeza ou fragilidade. A escrita manual é também uma forma de existir no mundo — e de resistir a ser apenas mais um dado na nuvem.
Há algo profundamente revolucionário em manter esse gesto analógico em plena era digital. É quase um manifesto: “eu penso, eu sinto, eu escrevo — com o meu corpo”. O papel não exige wi-fi. A caneta não tem algoritmo. E, justamente por isso, há verdade ali.
Não se trata de rejeitar a tecnologia. Ela é ferramenta — e como toda ferramenta, pode servir tanto à liberdade quanto ao controle. Mas é preciso lembrar que não somos máquinas. Somos memória, dúvida, afeto e contradição. E isso, nenhuma IA é capaz de reproduzir por completo.
Nas periferias, nas escolas públicas, nas prisões, nos quilombos, nas vielas das favelas, ainda se vê a caneta como ponte para a liberdade. Crianças que escrevem poemas, mães que aprendem a assinar o próprio nome, jovens que registram seus sonhos em diários surrados. Esses gestos são políticos. São declarações de existência.
Por isso, em tempos de inteligência artificial, quem tem papel e caneta não perde a identidade. Pelo contrário: afirma-a, preserva-a e a transmite.
Que a gente nunca esqueça o poder de uma folha em branco. Porque, às vezes, é nela que a verdadeira revolução começa.