Projeto que prevê suspensão da CNH e bloqueio de linhas telefónicas para pixadores acende o alerta sobre criminalização da arte urbana e censura velada nas ruas.
A cultura de rua sempre enfrentou muros — alguns físicos, outros institucionais. Desta vez, o ataque vem do Congresso Nacional. Foi aprovado em comissão da Câmara o Projeto de Lei 337/2024, que propõe suspensão da carteira de motorista (CNH) e bloqueio de linhas telefónicas por até seis meses como punição para quem praticar pixação. Assinado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS), o projeto levanta sérias preocupações sobre repressão à expressão cultural, sobretudo nas periferias urbanas.
Além das sanções principais, o texto também impede que os autuados acessem empréstimos bancários subsidiados e prevê a inscrição em dívida ativa caso não ocorra a reparação dos danos. A proposta, relatada pela deputada Silvye Alves (UNIÃO-GO), argumenta que tais medidas visam combater a “degradação urbana” — mas ignora completamente as raízes culturais, sociais e políticas da pixação.
A pixação é frequentemente tachada como vandalismo, mas para quem vive e sobrevive nas margens da cidade, ela é código, identidade, grito. Ao contrário do graffiti, que aos poucos ganhou reconhecimento institucional, a pixação ainda é vista como uma ameaça à ordem — mas será que é à ordem que ela ameaça, ou à indiferença?
Nas ruas de São Paulo, Rio, Floripa e de tantas outras cidades brasileiras, pixar é deixar o nome, marcar presença, reivindicar território. É arte que não cabe em moldura. É manifesto visual. O PL 337/2024, ao punir com rigor quem se expressa nos muros, ignora que o verdadeiro crime é não ouvir quem precisa gritar para ser notado.
O direito à cidade não pode ser exclusão disfarçada de lei
Bloquear linhas telefónicas e tirar CNHs não é só punição — é retirada de direitos básicos. É impedir que jovens da periferia se locomovam, se comuniquem, trabalhem. Juristas alertam: o projeto fere princípios constitucionais, e medidas como essas só ampliam a exclusão. Ao invés de corrigir desigualdades, o Estado prefere calar vozes com canetadas.
Trata-se, na prática, de uma censura camuflada, que marginaliza ainda mais quem já nasce fora dos centros de poder.
A cultura Hip Hop sempre existiu para desafiar o sistema. O RAP denuncia, o graffiti reimagina e a pixação reage com urgência. Em vez de criminalizar a arte que vem da rua, o poder público deveria garantir mais educação, cultura e acesso à cidade. Mas parece mais fácil pintar de cinza o que não querem enxergar do que investir em transformação social.
Se essa lei passa, o que virá depois? Prisão para rimas “subversivas”? Banimento de fones de ouvido nas quebradas? O absurdo não tem freio quando quem legisla não vive a realidade que legisla.
Quem silencia os muros, apaga a história!
Quando o Estado tenta apagar os traços da periferia, ele revela mais sobre seus medos do que sobre sua autoridade. O PL 337/2024 não é só uma proposta legislativa — é um reflexo do racismo estrutural, da elitização dos espaços urbanos e da negação do direito de existir artisticamente fora das regras impostas pelo centro.
Pixação não é crime. É resistência. É memória. É voz.
Preto Lauffer é necessário!! Excelente texto!