TINHA QUE SER PRETO: quando o rap entra em campo, no ringue e na vida

Atletas e MCs se cruzam o tempo todo, não só nas parcerias de clipe, mas nas lutas por respeito, protagonismo e sobrevivência. Do Mano Brown no CT do Santos ao Mike Tyson no ringue, com Tupac na plateia, essa é a história da resistência preta entre o fone de ouvido e a arquibancada.

“Tinha que ser preto.” A frase, usada por décadas como ofensa, hoje se transforma em símbolo. Não como alívio cômico, mas como resposta. Porque ser preto é vencer  no esporte, na música e na vida. Exige força, fé e uma dose de genialidade que o sistema insiste em deslegitimar.

No meio desse cenário, o hip-hop e o esporte nasceram do mesmo lugar: a rua. E por isso caminham juntos até hoje. Seja no aquecimento do jogador com o som no fone, seja na letra que vira hino de torcida, seja no protesto em campo, no palco ou no ringue. Porque, quando o preto fala, corre, luta e canta ele incomoda. E vence.

Mano Brown e o Santos: não é só futebol, é identidade preta

Quando Mano Brown pisa no CT do Santos, ele não tá ali só como celebridade. Ele carrega a energia de Pelé, o maior da história, preto, pobre, de Três Corações. Brown é Santos, mas também é quebrada. E tem dito que “torce pelos pretos” em campo. Isso conecta ele ao ¨menino¨ Neymar, que saiu da Vila Belmiro direto pro mundo e voltou, sempre carregando no corpo a arte e o estigma da pele preta.

Brown também é parceiro de Diego Ribas, jogador branco, mas que soube ouvir, aprender e respeitar. É o hip-hop atravessando fronteiras, porque onde tem escuta, tem conexão. E o futebol sempre foi palco dessas pontes.

Mike Tyson e Tupac: quando o ringue vira encruzilhada da cultura preta

Mike Tyson não era só um monstro no ringue, ele era o produto puro do gueto americano. Cresceu no Brooklyn, viu a violência de perto e canalizou tudo isso nos punhos. Mas também nos fones. Tyson ouvia rap antes das lutas: Public Enemy, Tupac, Biggie. Era o som da sobrevivência.

E foi justamente ao lado de Tupac Shakur, em 1996, que o mundo presenciou uma das cenas mais simbólicas e trágicas dessa conexão. Tupac foi assistir a uma luta de Tyson em Las Vegas. Na saída, após um desentendimento com membros de uma gangue rival, foi baleado no carro de Suge Knight. Morreu seis dias depois.

Tyson carrega essa dor até hoje. Porque Tupac era mais que um fã, era um irmão de vivência. Um Rapper que, como ele, carregava o peso de ser preto, genial e cercado de perigos por todos os lados.

Aquela noite mostrou que, mesmo no auge, a cultura preta segue sendo alvo. E que o sucesso não imuniza, apenas amplia o alcance da nossa voz.

Super Bowl e hip-hop: do protesto à consagração

Em 2022, o Super Bowl trouxe Dr. Dre, Snoop Dogg, Kendrick Lamar, Mary J. Blige e Eminem pro palco principal. O mundo assistiu ao hip-hop dominar o maior evento esportivo dos EUA. Mas ali não era só performance, era um ato político.

Era o reflexo da luta de Colin Kaepernick, quarterback preto, que se ajoelhou contra o racismo e foi banido da NFL. Quando Kendrick cantou “We gon’ be alright”, a mensagem era direta: estamos aqui, resistindo, brilhando.

Brasil também tem seus capítulos nessa história

Aqui, o rap tá em todas as resenhas de vestiário, nos stories dos jogadores, nos fones de ouvido na entrada do jogo. Djonga, Filipe Ret, Costa Gold, Orochi, Veigh, Teto, todos eles são parte da construção da mentalidade dos atletas de hoje.

E mais do que inspirar, o rap acolhe. Porque muitos desses atletas saíram do mesmo chão que os MCs: da quebrada. O campinho de terra e o estúdio improvisado têm mais em comum do que parece.

 

Tinha que ser preto, porque ser preto é ser maior que a dor

Tinha que ser preto porque só a gente entende o que é correr, cantar, lutar e ainda assim ser desacreditado. Tinha que ser preto porque é no preto que o Brasil e o mundo se inspiram, mesmo sem admitir.

A cultura hip-hop e o esporte são manifestações vivas da potência preta. E quando se encontram, o mundo para. O gol vira grito ancestral. O soco vira revolta histórica. A letra vira documento.

Ser preto é performance, é política, é poesia. E no fundo, é isso que assusta: que mesmo com tudo contra, a gente ainda vence. Ainda canta. Ainda joga. Ainda tá de pé.

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