Cultura Hip Hop é considerada admissível como Patrimônio Imaterial de Santa Catarina

Cultura Hip Hop é considerada admissível como Patrimônio Imaterial de Santa Catarina: conquista histórica que exige mobilização constante.

Na contramão do conservadorismo institucional que durante décadas silenciou as expressões artísticas das periferias, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC) deu um passo importante: publicou no Diário Oficial de Santa Catarina o parecer técnico que reconhece a admissibilidade do registro das Expressões do Hip Hop como Patrimônio Cultural Imaterial. É uma vitória parcial, mas de alto valor simbólico, construída a muitas mãos e corações.

A decisão foi oficializada no dia 22 de julho de 2025, por meio do parecer da analista Lisandra Pinheiro (GEPAI/DPAC/FCC), e representa a abertura formal do processo de registro no Livro das Formas de Expressão (Registro III). Ainda que não se trate do reconhecimento definitivo, este ato autoriza a continuidade da tramitação e consolida os elementos que justificam a importância social, simbólica e histórica do Hip Hop em território catarinense.

A admissibilidade não surgiu do nada. Ela é fruto de uma mobilização intensa e orgânica protagonizada por grupos culturais, educadores, artistas e militantes do Hip Hop de diversas cidades do Estado — Florianópolis, Joinville, Criciúma, Blumenau, Laguna, entre outras. Reunidos em audiências públicas, eventos e formações, esses ARTiculadores apresentaram um inventário robusto com depoimentos, documentos, pesquisas acadêmicas, vídeos, reportagens e referências que comprovam o valor da Cultura Hip Hop como instrumento de educação, identidade, resistência e inclusão social.

Segundo o parecer da FCC, o Hip Hop catarinense “instiga a inclusão social, a transmissão de conhecimentos e a valorização das práticas culturais das populações periféricas”, além de se constituir como uma ferramenta de prevenção à criminalidade por abrir novas perspectivas para a juventude.

Apesar do parecer favorável, o processo ainda se encontra em fase preliminar. O documento deixa claro que a admissibilidade não garante o registro oficial como Patrimônio Imaterial. Trata-se de uma autorização para seguir adiante, respeitando os critérios do Decreto Estadual nº 2.504/2004.

O corpo técnico da FCC recomenda que o movimento siga apresentando documentos que evidenciem as formas de salvaguarda e proteção cultural já existentes.

50 anos de cultura viva: da marginalização ao centro do debate

Em 2023, o mundo celebrou os 50 anos do Hip Hop, nascido nas periferias de Nova Iorque e rapidamente apropriado, ressignificado e expandido pelas quebradas brasileiras, incluindo as de Santa Catarina. Essa longevidade, aliada à sua capacidade de adaptação, é uma das razões que sustentam a sua relevância. Como destaca o parecer, a cultura Hip Hop é marcada pela interseccionalidade de raça, território e género, revelando-se como um espelho da realidade social e, ao mesmo tempo, como ferramenta de transformação.

Ainda assim, nenhuma política pública efetiva de proteção ou salvaguarda existe no estado até o momento, o que evidencia a urgência de garantir fomento, editais específicos, espaços culturais e ações contínuas de valorização das cinco linguagens fundamentais do Hip Hop — MC, DJ, break, graffiti, e conhecimento — a pedagogia social que as sustenta.

Reconhecimento é reparação, não concessão

O reconhecimento da Cultura Hip Hop como patrimônio não deve ser encarado como um favor estatal, mas sim como reparação histórica a uma cultura que sempre existiu — e resistiu — nas margens. É inaceitável que, diante de tantas provas, documentos e mobilização popular, o Hip Hop ainda precise enfrentar barreiras burocráticas para ser considerado digno de salvaguarda institucional.

Por que tanto rigor para reconhecer o que já é óbvio para milhares de jovens que vivem, criam e se fortalecem através desta cultura?

A luta continua

A admissibilidade é apenas o começo. O desafio agora é não deixar o processo esfriar. Cabe à sociedade civil, aos coletivos culturais, aos educadores e às instituições públicas seguir articulando, pressionando e documentando, para que este caminho leve, de fato, ao registro definitivo do Hip Hop como Patrimônio Imaterial de Santa Catarina.

Essa conquista é resultado direto da atuação do Grupo de Trabalho de Santa Catarina da Construção Nacional do Hip Hop, uma frente de resistência e ARTiculação que tem como protagonistas nomes como Vinícius Billy, DeeJay Monkey, Thaise Morgana, Janaina, Maxwell Flor, Néia, A2, DF, Preto Lauffer, entre tantos outros irmãos e irmãs que seguem fazendo do Hip Hop uma ferramenta de transformação profunda e revolucionária.

Que esta admissibilidade não seja um ponto final, mas uma vírgula numa história escrita coletivamente por quem nunca deixou de sonhar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *